amores expresos, blog da CECÍLIA

Sunday, May 27, 2007

Perigos de Berlim

No Rio de Janeiro vivemos em guerra, mas Berlim também tem seus perigos urbanos. Pacata na fachada, pode ser uma selva para os incautos.

No show de uma banda de alguma parte dos Bálcãs, num lugar chamado Mudd Club, no Mitte, fui abordada por um guri que não aparentava idade para estar em boate (o que em Berlim não faz a menor diferença pro pessoal dos clubes que suja a mão da gente na entrada com o carimbo). Ele me pediu um cigarro. Eu estava filmando o show, então olhei pro lado aonde o moleque tinha se materializado e continuei segurando a câmera na direção do palco, sem dar atenção. Mas aí o moleque começou a dançar, dançar mesmo.

A coreografia era bem próxima da coisa que os caras que imitam Michael Jackson na Cinelândia poderiam fazer. Ele era muito magro e usava roupas mal-ajustadas ao corpo. A camisa apertada demais, a calça sobrando em torno da cintura, amarrada por um cinto que imitava couro. O tipo de roupas passadas de primo pra primo, de geração pra geração. "I from Damascos"!, apresentou-se.

Enquanto a enorme banda se apertava no palco, destruindo o silêncio de Berlim com um time de metais caótico, o espetáculo paralelo me hipnotizava. Por defeito de fabricação, eu me deixo fascinar por dançarinos evidentemente muito ruins. O menino de Damasco era péssimo, e sacudia-se por um cigarro e uns trocados dentro do clube "lamma".

Porém não pediu dinheiro. Ainda se sacudindo, acendeu o cigarro e girou, trôpego, até sumir de vista no meio da platéia. Foi aí que me dei conta de que minha bolsa (atravessada no corpo, virada para o lado do palco) tinha sido aberta. E lá no fundo dela minha carteira também se escancarava vazia pra mim. Eu tinha deixado tudo fechadinho e, na carteira, o dinheiro pra voltar pra casa depois do show dos caras dos Bálcãs. Não mais. Enquanto o Michael Jackson de Damasco rodopiava, um comparsa dele metia a mão na bolsa.

Como pode uma carioca ser roubada em Berlim? A explicação é simples: como moradora do Rio de Janeiro, há muito perdi meu treinamento para lidar com furtos. De uns dez anos pra cá os cariocas intensificaram o aprendizado de táticas de defesa em guerrilha civil - rastejar, camuflar, construir abrigos anti-bomba -, interrompendo os treinamentos contra furtos simples. Tornou-se mais comum a violência ostensiva; batedores-de-carteira, no Rio, estão em último plano e atuam bem menos que atiradores com metralhadoras, granadas, etc.

O ladrão de Damasco não foi o único perigo da selva alemã a cruzar meu caminho. A gangue de passarinhos veio em seguida, naquela mesma semana. Mais cruel e sem pudores, agiram às claras, de dia, na frente de testemunhas que nada fizeram, temendo retaliações. Eis as fotos exclusivas do ataque.

"Perdeu, playboy!"




O primeiro bandido se aproxima. Ele não é muito grande, mas tem um olhar ameaçador (percebam).




Um comparsa recebe o sinal do chefe da quadrilha e se junta à ofensiva.





Eu coloco um pouco da comida num prato separado, tentando distraí-los. Mas dois fiapos de macarrão não são o suficiente para esses tough guys...




... e logo eles tornam a atacar o prato principal com tudo. As pessoas que também almoçam no Hackescher Markt (e, curiosamente, não têm seus pratos atacados) observam sem interferir. A coisa toda dura cerca de meia-hora, vejo a quantidade de macarrão diminuindo. Eles comem no prato mesmo ou dão rasantes, pescando um fio de massa com o bico e voando pra longe com ele.


Decido que é vergonha demais tentar roubar de volta o prato dos passarinhos, já que não adianta balançar as mãos em torno da mesa porque um deles sempre fura o bloqueio. Seria patético. Entrego os pontos e o prato inteiro a eles.




"Passa o sal?"




Não fiquei para ver como terminou. Temi pela vida deles, pois eu já tinha despejado minha ração diária de pimenta no macarrão. Eles não pareciam se importar. Mas duvido que depois tenham conseguido levantar vôo. E que a Sociedade Protetora dos Animais não venha atrás de mim por causa disso. Passarinho de Berlim é um bicho muito abusado. E eles estavam em maior número.