Coincidências
Não acredito em coincidências. Mas não posso negá-las com muita firmeza, tampouco aceitá-las sem reservas. É uma opinião dupla enunciada na mesma afirmativa – não acredito em coincidências – e interpretada em dois níveis. Posso dizê-lo como um comentário cético em relação às cadeias de eventos que desembocam em um único fato de aparência conclusiva. Como um ciclo de acontecimentos que se encerra em grand finale, cujo intuito parece ser a transmissão de uma mensagem que nunca entendemos direito. Nesse caso, não acredito que tenham um significado. São antes uma prova de que o que há de meticulosamente arbitrário nesse ciclo é o que governa nossos passos.
Posso também afirmar que não acredito em coincidências e assinalar, com isso, o oposto: que não acredito que sejam meras ocorrências sem um propósito final. Nesse caso, “não acreditar” é “acreditar”, independente da fragilidade do jogo semântico embutido. Essa interpretação exige das coincidências mais do que um vácuo: sem um propósito final, por que o universo se empenharia em manter seu ritmo conspiratório, na maioria das vezes para resultados absolutamente banais? Ou não existe resultado banal?
Coleciono coincidências como esta. Eu ia sair de um banco 24h da Avenida Nossa Senhora de Copacabana quando a mulher parada no caixa eletrônico à minha direita pediu minha ajuda; voltei e parei ao lado dela. O terminal de consulta que ela usava, quando o olhei, apresentava uma mensagem de erro; em poucos segundos, a mensagem desapareceu e o terminal voltou à tela inicial. A mulher me agradeceu e logo tapou a tela com o corpo. Dispensada sem ter sido de qualquer utilidade real a ela, deixei o banco.
Desci a escada de volta à Nossa Senhora de Copacabana e, na esquina com a Belford Roxo, alguém gritou meu nome de um carro e parou no acostamento para falar comigo. Então essa era a função daqueles segundos inúteis dedicados a uma estranha no banco? Atrasar meus passos para que eu chegasse a um determinado ponto da calçada no momento exato em que meu amigo pudesse me ver passando? Se eu tivesse saído segundos antes, teria entrado na Rua Belford Roxo e ele, dirigindo seu carro pela Avenida Nossa Senhora de Copacabana, não me veria passar. Se eu tivesse saído segundos depois, ele já teria passado pela esquina da Nossa Senhora com Belford Roxo quando eu a cruzasse.
Outra da coleção: no carnaval, amigos estragados conversavam no Capella, na Lapa. Desconectei do papo para dar uma olhada na rua. Pus os pés fora do bar e quase biquei as canelas de um conhecido. A função do encontro, se houve uma, era me fazer dividir um táxi com o sujeito e tentar invadir com ele a Marquês de Sapucaí sem ingressos (e sem êxito).
Já os segundos tomados de mim por uma estranha no banco denunciam certa orquestração cuidadosa dos acasos. Se a sincronia dos eventos que levam às coincidências é tão perfeita, por que não significam nada? As coincidências mais bestas querem fragilizar, desacatar-nos, rir de nós com sua pontualidade. E tudo isso seria uma bobagem se o mundo não fosse tão grande.
Posso também afirmar que não acredito em coincidências e assinalar, com isso, o oposto: que não acredito que sejam meras ocorrências sem um propósito final. Nesse caso, “não acreditar” é “acreditar”, independente da fragilidade do jogo semântico embutido. Essa interpretação exige das coincidências mais do que um vácuo: sem um propósito final, por que o universo se empenharia em manter seu ritmo conspiratório, na maioria das vezes para resultados absolutamente banais? Ou não existe resultado banal?
Coleciono coincidências como esta. Eu ia sair de um banco 24h da Avenida Nossa Senhora de Copacabana quando a mulher parada no caixa eletrônico à minha direita pediu minha ajuda; voltei e parei ao lado dela. O terminal de consulta que ela usava, quando o olhei, apresentava uma mensagem de erro; em poucos segundos, a mensagem desapareceu e o terminal voltou à tela inicial. A mulher me agradeceu e logo tapou a tela com o corpo. Dispensada sem ter sido de qualquer utilidade real a ela, deixei o banco.
Desci a escada de volta à Nossa Senhora de Copacabana e, na esquina com a Belford Roxo, alguém gritou meu nome de um carro e parou no acostamento para falar comigo. Então essa era a função daqueles segundos inúteis dedicados a uma estranha no banco? Atrasar meus passos para que eu chegasse a um determinado ponto da calçada no momento exato em que meu amigo pudesse me ver passando? Se eu tivesse saído segundos antes, teria entrado na Rua Belford Roxo e ele, dirigindo seu carro pela Avenida Nossa Senhora de Copacabana, não me veria passar. Se eu tivesse saído segundos depois, ele já teria passado pela esquina da Nossa Senhora com Belford Roxo quando eu a cruzasse.
Outra da coleção: no carnaval, amigos estragados conversavam no Capella, na Lapa. Desconectei do papo para dar uma olhada na rua. Pus os pés fora do bar e quase biquei as canelas de um conhecido. A função do encontro, se houve uma, era me fazer dividir um táxi com o sujeito e tentar invadir com ele a Marquês de Sapucaí sem ingressos (e sem êxito).
Já os segundos tomados de mim por uma estranha no banco denunciam certa orquestração cuidadosa dos acasos. Se a sincronia dos eventos que levam às coincidências é tão perfeita, por que não significam nada? As coincidências mais bestas querem fragilizar, desacatar-nos, rir de nós com sua pontualidade. E tudo isso seria uma bobagem se o mundo não fosse tão grande.
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