BERLIM - Entrevista
[trecho da entrevista que dei hoje a Juliana Lugão, da Deutsche Welle. o tom das minhas respostas é assustadoramente careta.]
Antes de chegar na Alemanha, qual era sua principal imagem do país? E do povo alemão?
Antes de vir para cá, quando soube que Berlim seria o meu destino, automaticamente se desenhou na minha cabeça o mapa turístico básico (Arquitetura, História, Arte), apimentado com rumores sobre entretenimento baseados na vida noturna mais enlouquecida que a cidade tinha na década de 90. Eu esperava um povo que ainda está redescobrindo sua alegria, reconstruindo eternamente sua vida. De certa forma o berlinense corresponde a essa expectativa.
O que mais te surpreendeu quando você chegou?
Logo no segundo dia, caminhei a esmo e dei de cara com Checkpoint Charlie. Para quem vive aqui, e acha cômico aquele enxame de turistas em torno do local, ele já pode ter perdido muito de seu significado. Em seguida, encontrei a exposição ao ar livre Topography of Terror e o trecho do Muro que ainda resta lá. No terreno aonde funcionava a sede da Gestapo, ouvindo as vozes dos julgamentos do Tribunal de Nuremberg, entendi que Berlim não quer, não pode e não deve esquecer - ou isso se voltaria contra ela mesma. Seria como violar-se.
Você já está há uma semana em Berlim. Conseguiu conversar com os alemães? Qual a impressão que teve deles nas primeiras conversads?
Perdida à noite numa junção de ruas que eu não conhecia, nem conseguia encontrar no mapa, fiz sinal para um táxi dirigido por uma mulher. Ao entrar, eu sorri. Imediatamente ela me perguntou se eu falava espanhol. Alemã, me garantiu: "alemães não entram num táxi sorrindo." Quando eu disse que falava português, ela me respondeu na minha língua: "Eu também falo, um pouquinho." Ela tinha morado no Brasil por quatro meses, há alguns anos, visitando uma irmã que é freira e vive em São Paulo. A taxista então me disse que aprendeu português no período que passou por lá graças à insistência dos brasileiros em se comunicar com ela; se não compreendia o que lhe era dito, eles faziam gestos, mímica, e repetiam as palavras até que ela entendesse e repetisse o que dissessem. "A maioria dos alemães", garantiu, "não fazem um esforço para compreender nem o inglês. Se percebem que é estrangeira, não têm paciência e largam a conversa antes de começar. Você vai ter problemas..." Isso quem me disse foi a alemã. Me senti desencorajada. Esperobque ela esteja errada.
Você já deve ter passeado pela cidade, também. O que você achou? Percebeu diferenças entre as partes ocidental e oriental? Em quê?
O silêncio de Berlim me surpreende, poder ouvir passos dos pedestres nas calçadas e as rodas das bicicletas girando nas ruas mas que, mesmo na hora do rush, têm pouco movimento de carros - e também de pessoas -, em comparação com a insanidade do trânsito e a superpopulação do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Alguma experiência notável com o povo ou mesmo no dia a dia? Fazer compras, mercado, formas de se aproximar...
Para citar as mais recentes (anteontem, ontem), além da taxista alemã e de Ufuk, um dono de restaurante turco com quem conversei bastante em Friedrichshain, teve essa mulher que disse pra mim na rua algo que não entendi - não da maneira clássica como costumamos compreender as coisas na nossa língua, ou numa língua que conhecemos mais ou menos. Qualquer coisa dita pra mim em alemão é insondável. Mas meu cérebro entendeu a mensagem de alguma maneira. Assim que a mulher deu seu aviso (superficialmente) ininteligível pra mim, baixei os olhos e olhei os meus tênis. Um deles tinha o cadarço desamarrado. Era isso que ela estava tentando me dizer. Como foi que entendi sem compreender a língua, não sei. Mas não foi exatamente uma coincidência eu ter me abaixado ao ouvir a frase - uma das palavras que ela disse soava como "Xúl", ou shoe (sapato em inglês).
Os brasileiros - gaúchos - que encontrei quando estava novamente perdida em Warschauer e me colocaram no trem certo para Friedrichstrasse, tambem foram uma coisa surpreendente. Um deles tomava chimarrão por detrás do balcão de uma barraquinha de café na estação de trem. Foi uma coincidência louca, que aconteceu em boa hora.
Já saiu pra lugares que tenha olhado em volta e pensado: "esse é um lugar tipicamente alemão"? O que foi que fez você pensar isso?
Já fui a alguns lugares em que pensei, "este é um lugar tipicamente berlinense". Aonde mais poderia existir o SO36 senão em Kreuzberg, Berlim?
Mitte é a "nova Alemanha" para mim; Potsdamer Platz, Alexander Platz, Kürfurstendamm. Alguns desses lugares são citados pelo Joseph Roth em textos que datam do começo do século passado e é muito forte percorrer as ruas de que ele fala, quando penso nos relatos dele.
Todo o burburinho em torno do Hackesche Markt, além das cadeiras de praia espalhadas à beira do rio Spree, com o povo fumando cigarros como se fossem o próprio ar que respiram, esse jeito de conviver e a vontade de estar na rua pra mais uma primavera, tudo isso deve ser tipicamente alemão (com apelo universal). A primavera é mais alemã que o seu inverno. Não acredito na taxista; não creio que sejam um povo frio. Só precisam de um pouco de sol.
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